Os números são provocadores. A cada
ano, morrem mais de três milhões de pessoas por causas relacionadas à má
qualidade da água; outras 844 milhões simplesmente carecem de acesso ao
elemento fundamental à vida.
Se, por um lado, a falta de água é um
dos maiores dramas socioambientais de nosso tempo, por outro, o excesso dela
também pode ser o infortúnio de muitas vidas. “E a população da Baixada
Fluminense sabe muito bem disso”, ressaltou o engenheiro Paulo Canedo de
Magalhães, do Laboratório de Hidrologia do Instituto Alberto Luiz Coimbra de
Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (UFRJ). O tema, que, em geral, só é lembrado em situações de
calamidade ou emergência, foi assunto de destaque na última quinta-feira (14/6)
durante evento acadêmico paralelo à Rio+20.
“Por conta do regime das águas, os
moradores da região sofrem com um ciclo perverso de empobrecimento crônico”,
disse Magalhães. Segundo ele, toda a renda que as famílias somam ao longo do
ano é gasta com prejuízos decorrentes das chuvas. “E elas sabem que o ano
seguinte será sempre pior do que o que se passou.” Nas palavras do engenheiro
da UFRJ, “a vida sem perspectiva é como se fosse uma morte”.
Parte da solução
Pesquisadores da Coppe trabalham na continuidade
de uma ideia que vem se mostrando eficaz para a amenização dos problemas de
inundação que a Baixada Fluminense enfrenta. É o Projeto Iguaçu, idealizado para ser um mecanismo
de controle de inundações e recuperação ambiental das bacias hidrográficas dos
rios Iguaçu/Botas e Sarapuí.
As frequentes inundações são agora amenizadas por um conjunto de
iniciativas de gestão e engenharia
A área abrange 726 quilômetros
quadrados, onde vivem 2,5 milhões de pessoas espalhadas por seis municípios
(Nova Iguaçu, Mesquita, Belford Roxo, Nilópolis, São João de Meriti e Duque de
Caxias).
As frequentes inundações, que
geralmente chegam com as chuvas de verão, são agora amenizadas por um conjunto
de iniciativas de gestão e engenharia. Drenagem, barragem, reflorestamento de
encostas, recuperação de nascentes são algumas das obras que estão fazendo a
diferença por lá.
Margens de rios passaram a contar com
urbanização mais inteligente: em vez de casas suscetíveis aos períodos de
cheia, agora os locais são ocupados com parques inundáveis, avenidas-canal e
áreas de mata ciliar. Nos períodos chuvosos, esses novos espaços permanecem
inalterados; em tempo bom, tornam-se áreas de lazer para a população local.
“Ainda que não seja a solução completa
para o problema das enchentes na região, esse alívio parcial já é, para nós,
muito gratificante”, comentou Magalhães.
Observando o êxito do projeto, o
governo do Espírito Santo já sinalizou interesse em adotar os mesmos
procedimentos. Negociações estão a caminho e em breve os capixabas também
deverão ser beneficiados pela estratégia desenvolvida na Coppe.
Regras de ocupação do solo
Os projetos de engenharia na região são
apenas parte de uma resposta para os problemas socioambientais decorrentes das
chuvas. “A outra parcela do desafio é repensar as políticas públicas de uso e
ocupação do solo”, salientou a química Márcia Dezotti, do Laboratório de
Controle de Poluição das Águas, da Coppe.
Dezotti: “A outra parcela do desafio é repensar as políticas públicas de
uso e ocupação do solo”
Magalhães concordou, mas lembrou de
episódios que o deixaram menos otimista em relação ao assunto. “Nossa equipe já
sugeriu regras de uso e ocupação para o local. Mas é complicado: regras são
algo que os municípios não costumam seguir.” Segundo o engenheiro, as cidades
nem sempre têm aptidão técnica, financeira ou operacional para lidar com a
questão.
Encerrando o encontro, Dezotti teceu
considerações sobre as políticas de habitação – ou a falta delas – que se
consolidaram no país. A pesquisadora censurou o fato de o poder público não
gerenciar a ocupação de áreas críticas de forma adequada.
“Conhecendo a dinâmica hidrológica da
Baixada Fluminense, por exemplo, os pesquisadores entendem que é um lugar
bastante sensível, dado o regime de chuvas e a topografia local”, acrescentou.
Em seguida, lançou a pergunta: “Afinal, será que a Baixada Fluminense é
realmente um lugar que deve ser habitado?”.
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